Durante esse ano, todas as propriedades da família, exceto a casa e o jardim, foram liquidadas. A última peça de propriedade, em Cafarnaum (exceto parte de uma outra) a qual já estava hipotecada, foi vendida. O que receberam foi usado nos impostos, na compra de algumas novas ferramentas para Tiago e no pagamento de uma dívida, devido à posse da loja de suprimento e reparos, que há muito servia à família, perto da parada das caravanas, e que Jesus agora propunha comprar de volta, já que Tiago tinha idade suficiente para trabalhar na oficina da casa e ajudar Maria com o lar. Com a pressão financeira assim aliviada momentaneamente, Jesus decidiu levar Tiago à Páscoa. E saíram para Jerusalém, com um dia de folga, para ficarem a sós, passando por Samaria. Foram caminhando, e Jesus contou a Tiago sobre os locais históricos do percurso, do modo como o seu pai havia ensinado a ele durante uma viagem semelhante, cinco anos antes.
Ao passarem por Samaria, viram muitos espetáculos estranhos. Nessa viagem puderam falar de muitos dos problemas pessoais, familiares e nacionais. Tiago era o tipo de jovem bem religioso e, embora não concordasse plenamente com a sua mãe a respeito do pouco que sabia sobre os planos para o trabalho da vida de Jesus, esperava ansiosamente que chegasse o momento em que fosse capaz de assumir a responsabilidade pela família, para que Jesus pudesse começar a sua missão. Apreciava muito que Jesus o estivesse levando à Páscoa e, mais abertamente do que nunca, conversaram sobre o futuro.
Jesus pensou muito enquanto atravessavam Samaria, particularmente em Betel, e enquanto bebiam do poço de Jacó. Ele e o seu irmão conversaram sobre as tradições de Abraão, Isaac e Jacó. Jesus empenhou-se muito em preparar Tiago para aquilo que este devia testemunhar em seguida em Jerusalém, procurando assim minimizar o impacto que ele próprio experimentara na sua primeira visita ao templo. Mas Tiago não era tão sensível a algumas dessas cenas. Comentou sobre o modo rotineiro e duro com o qual alguns dos sacerdotes executavam os seus deveres, mas no todo Tiago gostou muito da sua permanência em Jerusalém.
Jesus levou Tiago a Betânia para a ceia Pascal. Simão tinha falecido e descansava ao lado dos seus pais e Jesus ocupou o lugar do chefe da família na cerimônia Pascal, havendo trazido o cordeiro pascal do templo.
Depois da ceia de Páscoa, Maria assentou-se para conversar com Tiago, enquanto Marta, Lázaro e Jesus conversaram até bem tarde da noite. No dia seguinte foram aos serviços no templo, e Tiago foi recepcionado na comunidade de Israel. Naquela manhã, quando pararam no cume do monte das Oliveiras, para ver o templo, enquanto Tiago expressava a sua admiração, Jesus contemplou Jerusalém em silêncio. Tiago não pode compreender o comportamento do irmão. Naquela noite, novamente, eles retornaram a Betânia e teriam partido para casa no dia seguinte, mas Tiago insistiu em irem visitar de novo o templo, dizendo que queria escutar os mestres. E, se bem que isso fosse verdade, secretamente no fundo do seu coração, o que ele queria mesmo era ver Jesus participar das discussões, como ele tinha ouvido a sua mãe contar. Assim, foram ao templo e ouviram as discussões, mas Jesus não fez nenhuma pergunta. Tudo aquilo pareceu pueril e insignificante por demais para aquela mente de homem e de Deus que despertava—ele conseguia apenas sentir piedade deles. Tiago estava decepcionado, porque Jesus nada dissera. E, às perguntas do irmão, Jesus apenas respondeu: “Minha hora ainda não chegou”.
No dia seguinte, viajaram para casa pelo caminho de Jericó e pelo vale do Jordão, e Jesus contou muitas coisas no caminho, inclusive falou sobre a sua viagem anterior pela mesma estrada, quando tinha treze anos de idade.
Ao retornar a Nazaré, Jesus começou a trabalhar na velha loja de reparos da família e achava-se muito contente por estar sendo capaz de se encontrar com tanta gente, de todos os cantos do país e dos distritos vizinhos, que vinha todos os dias. Jesus amava o povo verdadeiramente—toda a gente comum. E todos os meses ele fazia o pagamento da loja e, com a ajuda de Tiago, continuava a manter a família.
Várias vezes por ano, sempre que não havia visitantes para desempenhar essa função, Jesus continuava a ler as escrituras aos sábados na sinagoga e, muitas vezes, oferecia comentários sobre a leitura, mas usualmente selecionava as passagens para as quais os comentários seriam desnecessários. Ele era hábil, e arranjava a ordem de leitura das várias passagens, de modo que uma iluminaria a outra. Ele nunca deixou, quando o tempo permitia, de levar os seus irmãos e irmãs nas tardes de sábado, para os seus passeios junto à natureza.
Nessa época o chazam inaugurou um clube de jovens para uma discussão filosófica, que se reunia em casas de diferentes membros e, muitas vezes, na sua própria casa, e Jesus tornou-se um membro proeminente desse grupo. Assim, pois, ele capacitava-se a recuperar um pouco do seu prestígio local, perdido na época das recentes controvérsias nacionalistas.
A sua vida social, ainda que restrita, não estava de todo negligenciada. Tinha muitos amigos calorosos e admiradores fervorosos, tanto entre os jovens rapazes, quanto entre as moças de Nazaré.
Em setembro, Isabel e João vieram visitar a família em Nazaré. João, havendo perdido o seu pai, tinha a intenção de voltar para as colinas da Judéia e ocupar-se da agricultura e cuidar de rebanhos, a menos que Jesus o aconselhasse a permanecer em Nazaré para tornar-se carpinteiro ou para fazer alguma outra espécie de trabalho. Eles não sabiam que a família de Nazaré estava praticamente sem um tostão. Quanto mais Maria e Isabel conversavam sobre os seus filhos, mais ficavam convencidas de que seria bom para os dois jovens homens trabalharem juntos e verem um pouco mais um ao outro.
Jesus e João tiveram várias conversas; e falaram sobre muitas questões íntimas e pessoais. Quando terminaram esse encontro, decidiram não mais se ver, até que se encontrassem no ministério público depois que “o Pai celeste chamasse” a ambos para o serviço. João ficara fortemente impressionado por tudo que vira em Nazaré; e, assim, devia retornar à casa e trabalhar para sustentar a sua mãe. Estava convencido de que seria uma parte da missão da vida de Jesus, mas percebeu que Jesus deveria ocupar-se, por muitos anos ainda, com a criação da sua família; e assim, pois, ele ficava mais contente ainda por retornar à sua casa e estabelecer-se, cuidando da pequena fazenda deles e atendendo às necessidades da sua mãe. E nunca mais João e Jesus se viram, até o dia em que o Filho do Homem apresentou-se para o batismo, no Jordão.
No dia 3 de dezembro desse ano, um sábado, à tarde, pela segunda vez, a morte atingiu essa família de Nazaré. O pequeno Amós, o irmão ainda bebê morreu depois de ficar doente por uma semana, com uma febre alta. Depois de passar o tempo da tristeza, mantendo o seu primogênito como único apoio, Maria afinal, no sentido mais pleno, reconheceu Jesus como sendo realmente o chefe da família; e ele estivera realmente sendo digno de sê-lo.
Por quatro anos o padrão de vida deles declinou de fato; ano após ano sentiram o aperto crescente da pobreza. No final desse ano enfrentaram uma das mais difíceis experiências de todas as suas árduas lutas. Tiago não havia ainda começado a ganhar bem, e as despesas de um funeral, somadas a todo o restante, vinha consterná-los ainda mais. Jesus, todavia, diria apenas à sua mãe, ansiosa e triste: “Mãe Maria, a tristeza não vai nos ajudar; estamos todos dando o melhor de nós, e o sorriso da mãe bem que poderia nos inspirar a fazermos ainda melhor. Dia a dia somos fortalecidos para essas tarefas, pela nossa esperança de dias melhores que virão”. O seu otimismo sólido e prático era verdadeiramente contagiante; todas as crianças viviam em uma atmosfera de antecipação de tempos melhores e de coisas melhores. E a coragem esperançosa de Jesus contribuiu poderosamente para desenvolver neles um caráter forte e nobre, a despeito da pobreza deprimente que atravessavam.
Jesus possuía a capacidade de mobilizar efetivamente todos os seus poderes de mente, alma e corpo, para a tarefa imediatamente à mão. Era capaz de concentrar a sua mente em profundos pensamentos, no problema que queria resolver, e isso, junto com a sua paciência inexaurível, fazia-o capaz de resistir serenamente às provações de uma existência mortal difícil—de viver como se estivesse “vendo Aquele que é Invisível”.