Mentes observadoras e almas de bom discernimento sabem distinguir a religiosidade quando a sentem nas vidas dos seus semelhantes. A religião não precisa ser definida; todos nós conhecemos os seus frutos sociais, intelectuais, morais e espirituais. E tudo isso advém do fato de que a religião é propriedade da raça humana; ela não é filha da cultura. Bem verdade é que a percepção que se tem da religião é humana e, portanto, sujeita às algemas da ignorância, à escravidão da superstição, às fraudes da sofisticação mundana e às ilusões das filosofias falsas.
Uma das peculiaridades características da segurança religiosa genuína é que, não obstante a absolutez das suas afirmações e da firmeza da sua atitude, o espírito da sua expressão é tão equilibrado e ponderado que nunca transmite a mais leve impressão de auto-afirmação ou de exaltação egoísta. A sabedoria da experiência religiosa é algo como um paradoxo, pois ela tem uma origem humana, ao mesmo tempo em que procede do Ajustador. A força religiosa não é produto de prerrogativas pessoais individuais, antes é, todavia, conseqüência daquela co-participação sublime que o homem tem junto à fonte perene de toda a sabedoria. Assim, as palavras e os atos da religião verdadeira e impoluta, na sua pureza original, tornam-se de uma autoridade irresistível perante todos os mortais esclarecidos.
Difícil é identificar e analisar os fatores de uma experiência religiosa, mas não é difícil observar os praticantes religiosos vivendo e perseverando como se estivessem já em presença do Eterno. Os crentes reagem a esta vida temporal como se a imortalidade estivesse já nas suas mãos. Nas vidas desses mortais, há uma originalidade convincente e uma espontaneidade de expressão, que, para sempre, os destaca dos seus semelhantes que, nada mais absorveram do que a sabedoria sobre este mundo. As pessoas religiosas parecem viver emancipadas e livres efetivamente da pressa da usura e da tensão penosa das vicissitudes inerentes às correntes seculares do tempo; elas demonstram uma estabilidade de personalidade e uma tranqüilidade de caráter não explicada pelas leis da fisiologia, nem da psicologia, nem da sociologia.
O tempo é, invariavelmente, um elemento necessário para conseguir-se o conhecimento; a religião torna esses dons imediatamente disponíveis, se bem que haja o importante fator que é o crescimento na graça, o avanço definitivo, em todas as fases da experiência religiosa. O conhecimento é uma busca eterna, vós estais sempre aprendendo, mas nunca vos tornareis capazes de alcançar o conhecimento pleno da verdade absoluta. No conhecimento apenas, não pode haver jamais nenhuma certeza absoluta, apenas uma probabilidade crescente de aproximação; mas a alma religiosa com iluminação espiritual sabe, e sabe agora. E, ainda, essa certeza profunda e evidente não conduz esse homem religioso, mentalmente sadio, a ter um interesse menor pelos altos e baixos do progresso da sabedoria humana, que está ligada estreitamente à sua finalidade material e aos desenvolvimentos lentos da ciência.
Mesmo as descobertas da ciência não são verdadeiramente reais na consciência da experiência humana, até que sejam elucidadas e correlacionadas, até que os seus fatos mais relevantes se tornem realmente significativos, por meio da sua colocação nos circuitos das correntes de pensamento da mente. O homem mortal vê, até mesmo o seu meio ambiente físico, de um nível mental, a partir da perspectiva dos registros psicológicos desse nível mental. E, portanto, não é estranho que o homem empreste ao universo uma interpretação altamente unificada e então busque identificar essa unidade de energia da sua ciência com a unidade espiritual da sua experiência religiosa. A mente é unidade; a consciência mortal vive no nível da mente e percebe as realidades universais pelos olhos das faculdades com as quais a sua mente está dotada. A perspectiva mental não alcança a unidade existencial da fonte da realidade, a Primeira Fonte e Centro, mas ela pode, e algumas vezes irá, retratar para o homem a síntese experiencial da energia, da mente e do espírito no Ser Supremo e como Ele. A mente, porém, não pode jamais obter êxito nessa unificação das diversidades da realidade, a menos que tal mente esteja firmemente consciente das coisas materiais, dos significados intelectuais e dos valores espirituais; a unidade existe apenas na harmonia da triunidade da realidade funcional, e apenas na unidade existe a satisfação da personalidade quanto à realização da constância e da coerência cósmica.
É por meio da filosofia que a unidade fica mais bem localizada na experiência humana. E, ainda que o corpo do pensamento filosófico deva estar sempre baseado em fatos materiais, a alma e a energia da verdadeira dinâmica filosófica são um discernimento espiritual dos seres mortais.
O homem evolucionário não tem um prazer natural com o trabalho pesado. Na sua experiência de vida, acompanhar os passos das demandas impulsoras e da pressão das necessidades da experiência religiosa crescente significa manter uma atividade incessante de crescimento espiritual, manter a expansão intelectual, o desenvolvimento factual e o serviço social. Não existe religiosidade real separada de uma personalidade altamente ativa. E é por isso que os mais indolentes dos homens sempre buscam escapar dos rigores das verdadeiras atividades religiosas, por meio de uma espécie engenhosa de auto-enganação, recorrendo ao abrigo falso das doutrinas e dogmas religiosos estereotipados. A verdadeira religião, entretanto, está viva. A cristalização intelectual dos conceitos religiosos é equivalente à morte espiritual. Vós não podeis conceber uma religiosidade sem idéias, mas, quando a religião fica reduzida a uma idéia apenas, não é mais uma religião; transformou-se meramente em uma espécie de filosofia humana.
E, ainda, existem outros tipos de almas instáveis e mal disciplinadas que usariam as idéias sentimentais da religiosidade como uma forma de escapar das exigências irritantes da vida. Quando alguns mortais vacilantes e acanhados querem escapar da pressão incessante da vida evolucionária, a religião, do modo como eles a concebem, parece apresentar o refúgio mais ao seu alcance, o melhor caminho de fuga. Contudo, a missão da religião é preparar o homem para enfrentar, com valentia, e até mesmo com heroísmo, as vicissitudes da vida. A religião é o dom supremo do homem evolucionário, é aquela coisa que o capacita a prosseguir e a “resistir, como se estivesse vendo-O, a Ele que é invisível”. O misticismo, contudo, muitas vezes é algo como um refúgio da vida e é adotado por aqueles seres humanos que não amam as atividades mais duras de viver uma vida religiosa nas arenas abertas da sociedade e do comércio humano. A verdadeira religião deve atuar. A conduta será um resultado da religiosidade, quando o homem de fato estiver com ela, ou antes, quando se permitir que a religião verdadeiramente o possua. A religião nunca ficará satisfeita com o mero pensar ou com o sentimento sem atuação.
Não estamos cegos para o fato de que a religião freqüentemente atue de um modo pouco sábio, até mesmo irreligioso, mas ela atua. As aberrações da convicção religiosa têm levado a perseguições sangrentas, mas a religiosidade sempre faz alguma coisa: ela é dinâmica!